sexta-feira, fevereiro 04, 2005

O engano (3)

Ficou entregue a si próprio enquanto pelo seu espírito passavam os mais díspares pensamentos. O silêncio tomava conta do ambiente e ele ia reparando angustiado nos pormenores do espaço onde estava. Com esforço, rodou a cabeça e olhou para o telemóvel tentando alcançá-lo com os pés mas sem sucesso. Embora não conseguisse distinguir os números, viu como os dígitos iam mudando de minuto a minuto marcando angustiados a passagem do tempo. A pouco e pouco os sons mais íntimos iam tomando volume. Ouviu o latejar do coração nas têmporas lembrando-lhe que a vida depende apenas do ritmo, esse bater contínuo que agora tanto o incomodava. Pequenos ruídos que passavam do exterior e que ele adivinhava vagamente. Por duas vezes gritara por ela mas o som perdera-se no isolamento do quarto. Os hotéis tendem a ter cada vez melhores isolamentos acústicos e ele pensou que nem um tiro de carabina chamaria a atenção fosse de quem fosse. As mãos doíam-lhe e nos pulsos estavam vincadas as algemas que os imobilizavam. Tentou rodar o corpo para uma posição mais confortável e verificou com desagrado como estava entorpecido. Quanto tempo teria já passado? Perdera a noção mas tinha a sensação que várias horas tinham decorrido.
Meio adormecido deu sinal de si num relance. Olhou para a porta e viu um vulto entrar. Tentou levantar-se mas com um grito de dor voltou a cair na cama.
Gritou: tira-me daqui imediatamente!
O vulto, coberto com uma capa que lhe escondia a cara, colocou em cima da mesa um pequeno pires. Despejou o conteúdo. Umas ervas em cima das quais ele deitou umas gotas dum líquido espesso e esbranquiçado. Acendeu um isqueiro e esperou que estivesse bem incandescente. Soprou uma ou duas vezes e depois retirou-se.
Pesasse embora a fraca iluminação com que elas tinham deixado o ambiente horas antes, tinha conseguido aperceber-se que se tratava da asiática que estivera com Eva. Aos poucos ficou tudo cheio de fumo. Um aroma doce e acre enchiam-lhe as narinas batendo-lhe directamente no cérebro. Sentiu-se transportado numa enorme nuvem de paz para um mundo onde os sonhos tomam o lugar da realidade e adormeceu.
Acordou de repente no meio duma enorme algazarra. Estava escuro e toda a cama mexia. Sentiu que não estava já algemado à cama embora continuasse com os pulsos presos. Tentou levantar-se e bateu com a cabeça em algo metálico. Caiu repentinamente num movimento brusco. Só aí se deu conta que estava preso e amordaçado dentro do porta-bagagens dum carro...
(Charlie)



Quem o teria vestido e amarrado? Porquê?

4 Comments:

Blogger João Mãos de Tesoura said...

Desculpem-me o desabafo, mas esta história está muito melhor do que a ideia original. Deve-se a vocês que criam o enredo.
Não parem, acreditem que isto terá cada vez mais piada!

5/13/2005 6:59 da tarde  
Blogger red hair said...

Ui, que isto está a ficar empolgante!!!

5/14/2005 2:05 da manhã  
Blogger Cerejinha said...

Desperto pela pancada deu-se conta de que o carro se encontrava em movimento. Pouco podia fazer, pois estava fortemente amarrado e qualquer esforço tirar-lhe-ia as energias que, provavelmente, necessitaria mais tarde. Ricardo perdeu a noção do tempo. Sentia o carro deslocar-se a uma velocidade alucinante, sem uma única paragem durante, o que lhe pareceram ser, horas de viagem.
O carro parou. Mais atento que nunca Ricardo tentava escutar o que se passava do lado de fora. Deviam estar num local isolado pois só o silêncio se fazia ouvir. Sentiu uns passos aproximarem-se da bagageira do carro. Ficou sem saber o que fazer:fingir-se adormecido ou mostrar-se bem acordado? Naquele momento a primeira opção pareceu-lhe a mais acertada, afinal todos os seus sentidos estavam despertos.
Acompanhou com atenção todos os movimentos: alguém abriu a bagageira, foram-lhe tiradas as amarras e a mordaça e sentiu-se levado por duas pessoas - homens, certamente, pelo tamanho das mãos que o seguravam. Estava livre, mas decidiu continuar com o fingimento.
"Libertaram-me. Deste modo posso fugir se algo correr mal...como se pudesse estar a ser pior!", pensou.
Sabia que estava perto do mar: os odores não enganavam e podia ouvir as ondas a embater contra uns rochedos. Entraram numa casa. Cheirava a limpo.Só quando se sentiu pousado sobre uma cama macia e ouviu os passos dos seus sequestradores a se afastarem que Ricardo reagiu.
Abriu os olhos. Não podia acreditar no que via. O local era idílico. Estaria a sonhar? Ouviu água a correr e dirigiu-se para o local de onde vinha o som. Empurrou a porta. Numa banheira cheia de espuma estava Eva munida do seu melhor sorriso:"Amor, porque te demoraste tanto? Vem, junta-te a mim!"

5/16/2005 11:47 da manhã  
Blogger Cerejinha said...

Já agora, um apelo: escrevam, não tenham vergonha!
O projecto é giro e quantas ais mãos houver, quantas mais cabeças a pensar mais rico se torna!
Vá lá...gastem o teclado do vosso PC!!!!!!!!!!

:-)

5/16/2005 11:51 da manhã  

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