sábado, março 05, 2005

Impulso (3)

O voice mail atendeu-lhe a tremura do gesto. Silenciou a da voz. Retardou um pouco mais o momento. O olhar abarcou o horizonte diluído na lonjura. O arco-iris descera aos campos do Alentejo – amarelos, alfazema, ocres profundos, todos os verdes num só. A planura contrariava o pico de emoção a que desde a madrugada se entregava num crescendo cujo fim conhecia.
(Cerise)

Olhar parado, pensamentos a mil. Agora já nada o impedia de continuar.
Mas os minutos que antecedem o confronto do imaginário com o real são momentos de tensão e de grande ansiedade.
Traçou um plano. Balbuciou palavras. Experimentou gestos.
No momento de todas as decisões o telemóvel tocou. Era ela.
- Pensava em ti.
- Eu sei - proferiu ela.
- Ia telefonar-te.
- Eu antecipei-me! – respondeu.
- Estás nervosa?
- E tu não estás? - e soltou uma gargalhada.
Eram contagiantes as gargalhadas dela e quente a sua voz.
Ricardo ficaria assim o resto dos seus dias, ouvindo-a, e construindo imagens de suporte para esta voz.
- Agora vem.
Foram as palavras dela em jeito decidido e autoritário. Era tarde para recuar. O destino estava ali.
(MWoman)

Ela sem saber que ele dela fugia. Porque se a realidade cansa, a ilusão também. Queria real com corpo, cheiro, pele. Com curvas doces a pedirem o vaguear lento das mãos. Lábios como cerejas que se abrem, maduras, ao verão. Cabelo solto lambido pelo vento. Pele misturada com a dele. Não uma qualquer, anónima apesar do nome. Mas a dela.

Sabia que a ilusão seria, irremediavelmente, estilhaçada pelo real. Ficaria contaminada. Sem préstimo. Jazendo com tantas outras no canto dos desperdícios. Porque, ao desmentir pela segurança e pragmatismo a vulnerabilidade aos sonhos, apenas se protegia com carapaça frágil. A emoção denunciava-o. Vê-la e partir sem amarras ou laços pendentes.
(Cerise)



Era tempo de falar...